Empreendedorismo e Endometriose
Reinventar-se não significa necessariamente começar do zero.
Temos essa mania de nos angustiarmos perante a necessidade de fazer diferente aquilo que estamos habituados a fazer há algum tempo.
Mas o que é o tempo se não a nossa consciência de que a vida só existe em movimento?
Meu nome é Flávia, e essas são palavras de desabafo de uma mulher de 32 anos que se deu conta do árduo trabalho ao qual se impôs para "no fim" ter um sentimento quase nulo de realização.
Que universo é esse ao qual nos adaptamos a tantas idas e vindas de sentimentos que ora nos impulsionam, ora nos derrubam?
Equilíbrio. Como alcançá-lo em meio a tantas mudanças?
As minhas começaram ainda na infância quando mudávamos de cidade e isso simbolizava uma referência inconsciente de crescimento. Aprendi a ser flexível, resiliente, e a me relacionar e comunicar com pessoas das mais diversas personalidades. Mas qual o preço dessas qualidades?
Amigos, lugares e memórias perdidos no tempo e na distância. Recomeços constantes. Até o dia em que vivi mais de 15 anos no mesmo lugar, na mesma cidade e o que era crescimento passou a se desdobrar em separação. Começamos nos separando em quartos, depois em planos, até que a palavra divórcio se fez presente na minha família. Não consigo contabilizar quantos foram os anos em que planejar ou fazer algo juntos, em família, deixou de fazer parte da rotina.
E por isso, jamais vou esquecer como me senti feliz ao me afastar dessa realidade.
Foi aí, nos últimos 5 anos, que as mudanças e o sentimento de crescimento se renovaram. Senti que a minha vida adulta havia começado. Junto com ela a minha vida a dois, e o início de três empresas que apesar das conquistas que pudessem representar trouxeram consigo o dilema de "não saber o que estou fazendo". Talvez porque eu soubesse no que estava trabalhando, mas não o que estava construindo.
Tanto movimento, tanta busca, tanto esforço até que me vi chegando em casa sangrando tanto que não deu tempo de abrir a porta sem sujar o chão. Durante mais de 30 dias nada impedia o meu organismo de sangrar, e hoje eu sei que esse é o resultado de mais de dois anos sem me perceber como mulher.
Também sei que esse desafio não é apenas meu. Que muitas mulheres enfrentam as dores dos miomas e da endometriose. Mas o que essas alterações significam para cada uma de nós, o impacto em nossas vidas e os motivos que nos levam a desencadeá-los precisam de mais discussão.
Depois de todas as explicações médicas e do meu diagnóstico cirúrgico, parei para me ouvir e nada do que ouvia me agradava.
Meu coração, meus pensamentos, meu corpo, minha essência, todos foram negligenciados por muito tempo. Coloquei de lado aqueles que me movem. Abafei os que me definem e como um trator fui passando por cima de tudo que me machucava. Por ironia me machuquei ainda mais.
O que é ser forte? Será que eu precisava ter resistido tanto e a tanto, a ponto de ter um ventre ferido? A ponto de perder a liberdade e ver o meu corpo sangrar através daquilo que me faz mulher, para que só assim eu enxergasse que também precisava de tempo pra mim?
Sim.
Não existe outro caminho para mulheres que como eu não souberam reconhecer a pausa como necessária. E a cada dia que passa vejo mais de nós. Meu Deus como nos movimentamos. Fazemos e acontecemos, até que acontece de o corpo não resistir.
O meu sangrou mês após mês até que eu chegasse a um quadro de anemia profunda, ferro quase 0, força quase 0. Descobri na fraqueza que ser forte é me entregar. Aos cuidados dos outros, do meu marido, da minha família, das minhas equipes, e principalmente de Deus.
Quantas foram, literalmente, as caixas que carreguei nos últimos anos. Quantos degraus, literalmente, eu subi e desci para que hoje eu possa ver e reconhecer tantas pessoas que fazem isso comigo e por mim.
Dói a dependência. Dói a restrição. Dói a vergonha de um sangramento que não controlamos e que por não controlarmos revela a nossa fragilidade diante de tantos acontecimentos, que assim como esse não podemos prever ou ignorar. Em contrapartida, esse mesmo sangramento me fez lembrar que eu sou humana. Que embora haja ferro em mim, eu não sou de ferro.
Para 2022 eu desejei a paz do cuidar, do amar, do aceitar. Escolhi cuidar daquilo que já tinha, amar o que já sou, e aceitar o que passou. Em 2022 eu busquei nutrir o corpo e a alma, as relações e o agora.
Para 2023, sigo desejando o mesmo pois já vivo os resultados dessa decisão e por eles sou grata.